terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Bicho é bicho e gente é gente. E os dois são tudo de bom.

Fui criado numa aldeia ao norte de Portugal, no meio de galinhas, pintinhos, patos, coelhos, cabritos, perús, porcos. Tive até um cavalo e um cão, fiel escudeiro que nos acompanhava nas disparadas pelos campos. Quando o cavalo se perdia da gente, seu amigo o encontrava. Costumava comunicar-me com eles por meio de olhares, gestos e assobios, a linguagem que me parece mais natural para falar com os animais.
 

No Brasil, tive dois cães: o Tonico, um poodle toy cujo comportamento era o de um autêntico vira-lata (cresceu solto como eu) e o Téo, um golden retriever lindo com um pelo dourado que reluzia ao sol. Os dois chegaram em casa ainda filhotinhos (não bebês, filhotinhos). Gostava tanto do Téo, o golden, que quando mudamos para apartamento em vez de confiná-lo na área de serviço, abri mão da sua companhia (não sem protestos) e o levei para um sitio em Campos de Jordão, sua terra natal, onde ele continuou correndo, brincando e crescendo livre como tem de ser. Tenho certeza que ele me agradeceu por isso. Durante um tempo ainda nos vimos, não com a frequência que os dois gostariam, e não esquecemos o que aprendemos um com o outro. Mais tarde soube que foi doado a uma família que tinha crianças e espaço para brincarem juntos. 

Gosto de animais, portanto, e espero que isso tenha ficado claro. Penso que toda a criança deveria ao menos um, para entender coisas que às vezes nem os pais nem os amigos conseguem ensinar. Também são excelentes companhias, às vezes terapêuticas, para pessoas idosas ou solitárias. No entanto, não posso concordar com a forma como algumas pessoas tratam os seus animais de estimação. Incapazes muitas vezes de se relacionarem com parentes, amigos e às vezes até com os próprios maridos, esposas e filhos, usam-nos como bibelôs, enfeites, depositários de suas carências, dizendo que preferem a companhia dos animais à das pessoas. O argumento usado (as piores justificativas são as verdadeiras) é que eles são fiéis, amam incondicionalmente, compartilham os momentos bons e ruins sem reclamar, são alegres e vive fazendo festas. Admito que a relação com seres humanos nem sempre é tão fácil e harmoniosa. É que gente não se contenta apenas com ração, passeios duas vezes por dia e banho uma vez por semana. Pessoas nos contestam, nos questionam, nos contrariam, exigem mais da nossa humanidade. 


Não adianta pensar que a solução para as nossas mazelas, as nossas decepções afetivas e a nossa solidão, seja trocar o convívio das pessoas pelo dos animais. Não a ponto de carregá-los no colo, dormir junto na mesma cama, comemorar o aniversário com bolo e brigadeiro e comprar sapato e roupinha de boneca. Isso alimenta mais o nosso ego, a nossa vaidade e o caixa dos fabricantes de comida e quinquilharias que entopem as petshops, do que o nosso crescimento como seres humanos. Amemos os animais reconhecendo o que eles são e respeitando a sua natureza. 

Certa vez uma das minhas filhas me contou que na casa da amiga eles sentavam a cachorrinha na mesa da sala para jantar junto com a família. E pior: só podia sair da mesa depois que ela comesse tudo ou ficasse muito cansada, o que costumava demorar, já que sendo tratada como criança se comportava como tal, fazia birra, queria aviãozinho, não comia qualquer coisa. E quando não era atendida levantava...ops! pulava da cadeira e ia fazer xixi no sofá e outras malcriações. Dei graças a deus quando a amizade delas terminou, claro, porque a cachorra era muito mais importante do que a minha filha. Por essas e outras nunca me incomodei quando me chamavam de desalmado só porque não permitia que o Tonico, meu poodle viralata, deitasse no sofá ou tirasse um cochilo em cima da cama de casal. Adivinha quem ele mais respeitava e a quem mais fazia festa quando chegávamos em casa? Acertou. Bicho é bicho e gente é gente. E os dois são tudo de bom.

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