quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

LA CUCARACHA



La cucaracha, la cucaracha
Ya no puede caminar
Porque no tiene, porque le falta
La patita principal

O livro "CAUSOS DA PROPAGANDA", escrito por um grande amigo, Dorinho, professor da USP e cartunista, reune uma infinidade de causos "ocorridos e acontecidos" em agências de propaganda, e contados com muito bom humor por diversos autores. Este não faz parte da coletânea, mas poderia. Quem sabe numa próxima edição...

Era um final de tarde de um verão escaldante. O ar condicionado do 23º andar do Conjunto Nacional, em São Paulo, onde funcionou na década de 80 a agência de propaganda Siboney, não estava dando conta do recado.

Embora fizesse parte do grupo FCB, no Brasil a agência era comandada pelo irrequieto Gustavo Cubas, empresário cujo sobrenome já entrega a origem. Eu fazia dupla com uma figura chamada Victor Nunes, diretor de arte, ilustrador, músico, artista multiplataforma, que além de ser um grande amigo até hoje, acabou virando também meu padrinho de casamento.

Tínhamos trabalhado vários dias numa campanha para um prospect importantíssimo. Concorrência graúda mesmo. No dia da apresentação, a sala de reuniões, imensa, com mesa em “U”, estava abastecida com tudo que um prospect tem direito: comes e bebes, gelo e uísque já no jeito num canto da sala para uma social depois da apresentação. O cliente sentou na curva (do U) e o Gustavão – como carinhosamente chamávamos o dono da agência – com seu português beirando o ininteligível, abriu a reunião, agradeceu a presença, falou da importância da conta para a agência e seguiram-se os trabalhos: pesquisa, planejamento e finalmente a criação.

Havia seguramente uma dúzia de pessoas em volta da mesa, juntando nossa turma com a deles. O Oscar Corea, diretor de criação, me delegou a tarefa de apresentar a campanha. Levantei, e enquanto me movimentava em torno da mesa, fui falando de como havia sido estimulante o processo criativo, a satisfação de trabalharmos com uma marca tão importante, etc e tal. Apresentei e defendi o conceito da campanha e finalmente comecei a projetar os layouts. A platéia em silêncio.

Num determinado momento olhei na direção do cliente e vi uma coisa estranha subindo pela manga do seu casaco. A coisa seguramente também me viu, porque deu uma paradinha antes de continuar, hesitante, em direção ao colarinho da camisa. Naqueles segundos de estranhamento inicial entre nós pude ver as suas anteninhas prescrutando o ambiente, e as asas – sim, asas (o que talvez explicasse como chegou até ali, vinte e três andares acima do solo) abrindo e fechando, já pressentindo o perigo e avaliando se valeria a pena continuar a escalada ou seria melhor bater em retirada.

Num primeiro momento eu gelei. E enquanto metade do meu cérebro continuava a apresentação, a outra metade começou a pensar em alguma coisa – rápido, qualquer coisa que pudesse evitar o desastre iminente. Em milésimos de segundos todas as hipóteses passaram pela minha cabeça. Mas as patinhas da barata cruzando o pescoço do cliente e ela tentando se aninhar atrás de sua orelha, era a pior de todas. Seria o fim da reunião, da apresentação e, certamente, da nossa pretensão de pegar a conta. Se a coisa resolvesse sair voando o estrago seria menor, mas nem por isso menos constrangedor. Haveria um levante e talvez uma caça instintiva e coletiva aquele ser asqueroso, o que também acabaria com o clima de encantamento que estávamos conseguindo criar até aquele momento.

Não me perguntem como, nem por quais conexões cerebrais cheguei a isso, mas, numa manobra arriscada e com pouquíssimas chances de dar certo, olhei para a plateia que continuava com os olhos grudados na tela, e quando a coisa já estava no ombro do sujeito e deu uma paradinha pra tomar fôlego, não tive dúvida: armei o dedão e o dedo do meio em forma de catapulta, acelerei em direção ao cliente, passei por trás dele e dei um peteleco certeiro no bicho arremessando-o contra a parede no canto da sala. A precisão foi tal que o cliente sequer sentiu o contato do meu dedo com o seu ombro.

Nem ele nem ninguém naquela sala tomou conhecimento do que acabara de acontecer, entretidos que estavam com a apresentação.

Missão cumprida? Não...com o rabo do olho vi que o baratão depois de se estatelar contra a parede ficou caído de costas, debatendo-se para voltar ao ataque. Não tive dúvida, dei mais uma volta na mesa e, passando novamente por trás do cliente, estiquei o pé e sem dó esmaguei a coisa sobre o carpete. Só depois de ouvir aquele barulhinho crocante, como se tivesse acabado de pisar num baconzitos, tive certeza de que estava um a zero pra mim. E pude assim, terminar a apresentação.

Juro que fiquei tão atônito com a performance, que por um bom tempo não consegui contar aquilo pra ninguém. Só depois que soube do resultado da concorrência e a gente ganhou a conta.