terça-feira, 12 de novembro de 2019
A Mãe Cósmica - Um aspecto de Deus
Devemos considerar Deus somente como um espírito impessoal, desprovido de toda forma e sexo. Não podemos invocar o Criador concebendo-O sob um aspecto mais familiar para a mente humana? Nesse caso, como deveríamos chamá-lo, “Pai” ou “Mãe”?
Na verdade, Deus é um e outro: Pai e Mãe. Uma porção do Seu Ser permanece sempre oculta, mas, além do espaço e do universo, ali onde existe apenas sabedoria pura, está o aspecto de Deus enquanto Pai. A natureza inteira, em compensação, é uma manifestação de Deus no aspecto Mãe, pródiga em beleza, doçura, bondade e ternura. As flores, as aves, as árvores, os rios, todos falam, em sua formosura, do espírito criador e artístico do Senhor em Seu aspecto maternal. Não podemos evitar um sorriso ao pensar na mãe, com sua Via-Láctea cheia de diamantes estelares, suas flores perfumadas, o riso de suas águas correntes e sua beleza manifestada na criação inteira. Quando contemplamos a fecundidade da terra, o crescimento das plantas e dos seres, o amor de todas as criaturas por seus pequeninos, uma profunda ternura surge em nosso interior: vemos e sentimos nisso tudo o instinto maternal de Deus. E se, em algumas ocasiões, a conduta da natureza se torna cruel e inexplicável para nós (na Índia dá-se o nome de Kali à Mãe quando se apresenta sob esse aspecto), assim também podem parecer à criança algumas das medidas disciplinares e protetoras de sua mãe.
Quando nos sentamos em um bosque sombreado e silencioso; quando, no cume de uma montanha, nos aproximamos do azul do céu; quando olhamos a areia branca, perto de um mar resplandecente, não podemos deixar de experimentar certa ternura em nosso interior: é essa a nossa reação diante do aspecto maternal de Deus. Se, ao fechar os olhos, evocamos internamente a imagem do vasto espaço, somos fascinados pelo sentimento da infinitude; e percebemos nela apenas a vibração da sabedoria pura, nada mais do que sabedoria. Esse é o aspecto de Deus enquanto Pai: a esfera ilimitada na qual não existe nenhuma criação, nem planetas, nem estrelas, apenas o poder sem forma da sabedoria. Esse é o Pai. Assim, Deus é tanto um pai como uma mãe.
Quando se concebe Deus como uma trindade composta pelo Pai, Filho e Espírito Santo, podemos ver a Mãe no Espírito Santo, a criação inteira no Filho e, no Senhor mesmo, o Pai. Assim como a mãe se reflete em seu filho, a Natureza reflete-se na criação. Deus, em Seu aspecto de Pai e Mãe, deu nascimento ao Filho, que é uma expressão de Seu amor. E nós, como parte da criação, integramos esse símbolo do amor divino.
Na família humana, podemos ver uma reprodução em miniatura da grande família divina. Deus manifesta-se tanto no pai como na mãe e, na expressão de seu amor mútuo, no filho. Por que razão essa trindade se expressa na família humana? Isso ocorre porque nós, homens, somos parte de Deus, e Ele é essa trindade. O Criador, em Sua sabedoria infinita e em Seu sentimento infinito, deu origem a veículos pelos quais Ele desejava expressar essas qualidades. E foi assim que, ao manifestar-se na criação, a sabedoria do Senhor assumiu a forma do pai e Seu sentimento adotou a forma da mãe.
Cada um de nós é uma expressão parcial do Infinito, já que o pai atua sempre de acordo com a razão, enquanto a mãe é guiada pelo sentimento. E ambos são imperfeitos. O pai procura educar o filho pela razão e a força, ao passo que a mãe é guiada pelo sentimento e pela ternura. Ao bater em uma criatura que se encontra semi-afogada na maldade, com o objetivo de salvá-la desse estado, a severidade do pai só conseguirá afundá-la ainda mais no mal. A mãe, pelo contrário, dirá: “Ensine-a por meio do amor”.
Em algumas ocasiões, convém fazer uso de certa autoridade, enquanto em outras é preferível oferecer uma grande dose de amor. Mas, se a criança recebesse somente doçura, esse excesso a prejudicaria. Os dois aspectos de Deus – o maternal e o paternal – são necessários para manter o equilíbrio. Embora o amor paternal seja algumas vezes demasiadamente severo, o amor maternal também nem sempre é perfeito. Fritz Kreisler, certa ocasião, fez o seguinte comentário: “Minha mãe me amava tão profundamente que sempre se opôs a que eu abandonasse a Europa; no entanto, eu não seria Kreisler hoje se não tivesse enfrentado o seu amor”. Um amor como esse é egoísta e escravizador.
Mirra Alfassa (Extraído do livro Preces e Meditações II, de A Mãe – Ed. Casa Sri Aurobindo, 1977)
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