sexta-feira, 23 de maio de 2025
NÓS - SOMOS TODOS
A grande questão que se coloca hoje para todos nós, seres humanos, é se seremos capazes de viabilizar o futuro. Se poderemos construir juntos uma sociedade plural e inclusiva, na qual a VIDA seja o bem maior. Um mundo onde o EU, que até aqui dominou as nossas escolhas e prioridades, dê lugar ao NÓS. Mas, um NÓS que seja sinônimo de TODOS, incluindo pessoas, animais e natureza. Num tal nível que quando pensemos em NÓS, não pensemos – como costumamos fazer – somente nos que estão próximos, nos que pertencem ao nosso grupo, naqueles que identificamos como nossos iguais. É urgente lembrar que a verdadeira força da humanidade reside no coletivo. Essa palavra simples carrega um potencial transformador, capaz de nos conduzir a uma sociedade mais justa, equilibrada e livre. Pensar no NÓS é reconhecer que cada um de nós está profundamente conectado, não apenas com outros seres humanos, mas com todas as formas de vida e com o planeta que é a casa comum que habitamos. É tempo de abandonarmos a ilusão de que podemos prosperar sozinhos, de que o EU pode existir isolado. As crises que enfrentamos – sociais, éticas, ambientais – são reflexo de um desequilíbrio causado pela priorização do bem-estar individual em detrimento do bem-estar coletivo. Quando destruímos florestas, matamos ou exploramos os animais ou ignoramos as desigualdades sociais, não estamos apenas ferindo o outro; estamos enfraquecendo o tecido que sustenta a vida, que nos inclui. Construir a sociedade do futuro, mais justa e igualitária, exige que rompamos as barreiras do egoísmo e da indiferença. O NÓS convida a agirmos com empatia e responsabilidade, entendendo que a liberdade verdadeira só pode existir quando todos têm acesso à dignidade, aos direitos básicos e ao respeito mútuo. Isso significa olhar para a espécie humana, mas também para além dela, abraçando uma visão ampliada de comunidade que inclui cada animal, cada planta e cada ser vivo que compartilha esta Terra conosco. Essa mudança de paradigma não é apenas ética; é necessária para a sobrevivência. O futuro só será de paz e equilíbrio se nós, seres humanos, cultivarmos relações de interdependência e respeito com todos e com a natureza. O NÓS é também um chamado à ação coletiva. Nenhum indivíduo, por mais inteligente e poderoso, pode resolver sozinho os desafios que enfrentamos. Precisamos nos unir em comunidades, movimentos e iniciativas que promovam a colaboração, a solidariedade e a inclusão. Cada gesto conta: a escolha do que consumimos, como tratamos uns aos outros, como nos relacionamos com todos os seres vivos e como nos posicionamos diante das injustiças. Está nas nossas mãos, juntos e com um propósito comum, ajudar a construir o futuro que queremos, onde a paz, a justiça e o equilíbrio sejam mais do que ideais: sejam a realidade de todos.
quinta-feira, 16 de junho de 2022
ETARISMO, AGEÍSMO OU IDADISMO: TODOS PERDEM COM O PRECONCEITO POR IDADE.
Navegando pela internet, descobri que junho é o mês “violeta” da Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa, sendo o dia 15, o dia mundial dedicado ao tema. São inúmeras as violências praticadas contra as pessoas idosas, mas quero me concentrar na que é praticada pelo mundo corporativo quando descarta qualquer profissional pelo simples fato de ter mais de 50 ou 60 anos.
Mas, antes de entrar no tema propriamente dito, permitam-me fazer um pequeno relato. Entre 2009 e 2018, portanto dos meus 52 aos 60 anos, fui diretor de criação em duas agências de publicidade em São Paulo, Brasil. Era comum termos de atravessar uma ou outra noite em claro para terminar a tempo a entrega de uma campanha. Eu liderava uma equipe de comprometidos redatores e diretores de arte que entendiam a necessidade de esticarmos a jornada de trabalho. No entanto, era comum também que ali por volta da meia-noite um ou dois fiéis escudeiros, com pouco mais do que a metade da minha idade, já cochilando sobre o teclado do mac jogassem a toalha e me pedissem para deixa-los ir para casa, porque o corpo não respondia mais aos seus comandos. Sem muita opção, eu seguia com os sobreviventes até terminar o job e, muitas vezes ia para casa somente quando os primeiros raios de sol estavam a entrar pela janela, tomava um banho, um red bull, uma xícara dupla de café e duas ou três horas depois estava a apresentar o trabalho para o cliente.
Não estou querendo, com isso, gabar-me de nada. Há pessoas cansadas em qualquer fase da vida. O que quero dizer é que a idade não deveria ser requisito nem para contratar nem para descartar um profissional. Em maio último fiz 65 anos. Continuo a trabalhar com aquilo que gosto de fazer e, embora atue como freelancer, ainda me pego acordado à uma ou duas da manhã fazendo ajustes em projetos que serão entregues no dia seguinte pela manhã. Sinto-me hoje tão ou mais entusiasmado e comprometido com os desafios de um briefing como me sentia aos 25 ou 30. Com uma diferença: tenho mais experiência, o que permite, entre outras coisas, abreviar soluções, agilizar entregas e aumentar o índice de acerto. Mas as empresas e as consultorias de RH somente agora estão a acordar para essa realidade e a perceber o quando todos estamos perdendo.
O etarismo, também conhecido como ageísmo ou idadismo talvez seja, de todos os preconceitos, o mais invisível e o único que ainda não ganhou o destaque que merece, nem nos media, nem nas consultorias de recursos humanos e nem nas empresas. Nas agências de propaganda então, a realidade é mais cruel: qualquer 40+ é considerado um dinossauro.
É bom lembrar que o etarismo atinge também os mais jovens, nomeadamente os que estão na casa dos 20 anos. Enquanto os 50/60+ são descartados como se tivessem a sua data de validade vencida, os 20- são igualmente descartados porque ainda não estão maduros o suficiente para ocupar um lugar nas prateleiras do mercado. Por um lado, não permitimos aos mais jovens aprender. E, por outro, não permitimos aos mais velhos nem compartilhar o que sabem nem descobrir o que ainda precisam aprender. É como se a produtividade de uma pessoa tivesse de ser 100% extraída nos 15 anos compreendidos entre os 30 e os 45 e depois disso o que sobrasse fosse apenas bagaço. O que está, obviamente, longe de ser verdade. O etarismo é, além de postura preconceituosa que precisa ser mudada, uma forma pouco inteligente de otimizar os recursos humanos.
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quarta-feira, 15 de dezembro de 2021
Sobre livros e frases de autoajuda.
um sujeito comenta com o outro: "faz mais de três meses que estou pagando a academia de ginástica e ainda não emagreci um quilo sequer. vou ligar lá para saber o que está acontecendo."
sempre lembro dessa piada quando vejo a quantidade de livros de autoajuda que algumas pessoas compram – não sei se lêem e muito menos se praticam – enquanto seguem sendo o que sempre foram, fazendo o que sempre fizeram, mas esperançosas de que um dia acordem e as suas vidas mudem para sempre.
quando se cansam de ler (ou de comprar livros), adquirem alguns cursos pela internet e enchem as redes sociais com frases de efeito sobre como a vida deve ser. e para muita gente, a isso se resume o autoconhecimento e a evolução espiritual.
nada de errado com frases ou livros de autoajuda. também os leio e compartilho frases. mas, como acontece com o álcool, penso que essas coisas devem ser consumidas com moderação. senão, a única coisa que vamos conseguir é viver num eterno porre de frases feitas.
duas que li recentemente, que me deixaram pensando por vários dias e têm relação direta com o que estamos falando aqui, diziam:
"nada sairá da sua vida enquanto você não aprender o que precisa saber". pra mim explica muito porquê entra dia e sai dia e nada diferente acontece, parece que não saímos do lugar.
a outra é: "ninguém vira borboleta de uma hora para a outra. a evolução é um processo." esta é justamente sobre a ilusão de que apenas e simplesmente comprando livros ou reproduzindo frases vamos melhorar as nossas relações e viver de forma mais consciente e significativa.
e para terminar, um pensamento (talvez já o tenha visto no meu feed) que veio depois de uma das minhas meditações matinais: "se não evoluímos, não é porque não saibamos o que temos de fazer. é porque não fazemos!"
sempre lembro dessa piada quando vejo a quantidade de livros de autoajuda que algumas pessoas compram – não sei se lêem e muito menos se praticam – enquanto seguem sendo o que sempre foram, fazendo o que sempre fizeram, mas esperançosas de que um dia acordem e as suas vidas mudem para sempre.
quando se cansam de ler (ou de comprar livros), adquirem alguns cursos pela internet e enchem as redes sociais com frases de efeito sobre como a vida deve ser. e para muita gente, a isso se resume o autoconhecimento e a evolução espiritual.
nada de errado com frases ou livros de autoajuda. também os leio e compartilho frases. mas, como acontece com o álcool, penso que essas coisas devem ser consumidas com moderação. senão, a única coisa que vamos conseguir é viver num eterno porre de frases feitas.
duas que li recentemente, que me deixaram pensando por vários dias e têm relação direta com o que estamos falando aqui, diziam:
"nada sairá da sua vida enquanto você não aprender o que precisa saber". pra mim explica muito porquê entra dia e sai dia e nada diferente acontece, parece que não saímos do lugar.
a outra é: "ninguém vira borboleta de uma hora para a outra. a evolução é um processo." esta é justamente sobre a ilusão de que apenas e simplesmente comprando livros ou reproduzindo frases vamos melhorar as nossas relações e viver de forma mais consciente e significativa.
e para terminar, um pensamento (talvez já o tenha visto no meu feed) que veio depois de uma das minhas meditações matinais: "se não evoluímos, não é porque não saibamos o que temos de fazer. é porque não fazemos!"
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sexta-feira, 9 de julho de 2021
COM A MELHOR DAS INTENÇÕES
Vejo nos stories do Facebook de uma amiga uma mensagem que pipoca na internet com o título “Não se acostume”, atribuída a Fernando Pessoa. Não somos amigos íntimos, mas a considero uma pessoa inteligente, criativa, inconformada, disruptiva até, uma cabeça boa. Por isso a sigo, curto o que ela posta e os algoritmos sabem disso.
A mensagem que ela postou tem um texto bonitinho e é óbvio que o publicou com a intenção de expressar um estado de alma, de compartilhar os seus sentimentos num dia qualquer, enfim.
Reproduzo o texto e imagem abaixo para vc não ter o trabalho de procurar no Google.
Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas realmente... (obrigado Blitz) esse texto não é de Fernando Pessoa. E qualquer pessoa que leia um pouco de Pessoa, percebe.
Numa rápida busca na internet, vi que esse texto é reproduzido e atribuído a Pessoa em dezenas de sítios (vou preservar os nomes para não queimar o filme de ninguém):
- Foi reproduzido num blog que se intitula “uma rede viva de mentes curiosas” com 170 milhões de leitores em todo mundo. Se fossem tão curiosas iriam atrás da veracidade do que publicam. Diz também que “qualquer pessoa pode escrever no blog (talvez esse seja o problema, porque podem escrever ou reproduzir qualquer coisa, inclusive bobagens).
- Foi compartilhado por um professor de Cascais (Portugal!) no Slideshare, onde tem mais de 400 visualizações, e em blogs e redes sociais de mais meia dúzia de professores (!!!).
- Está no perfil de um fã-clube do “Legião Urbana” (esses fãs, viu!) curtido por 1 284 154 de pessoas, onde teve 1200 visualizações e 513 compartilhamentos (olha o estrago).
- Está em dezenas de pins no Pinterest
- No site de uma rádio do Rio de Janeiro
- Num site que tem “brain” na url e que afirma ser a “maior plataforma de estudos (coitados dos estudantes) ponto-a-ponto do mundo”
- Num blog para maiores de 40 (com essa idade o autor já deveria ter aprendido a separar o certo do duvidoso)
- Num blog sobre pontos de vista (vista embaçada, no caso)
- No Tumblr
- Num site de estudos para estudantes que querem “passar direto” (em vez de estimularem os leitores a passar direto, recomendo que os autores dêem uma paradinha de vez em quando para conferir a veracidade do que publicam e ensinam aos estudantes)
- O texto está até no Linkedin de uma corretora de seguros (fiquei inseguro com essa corretora...).
Além, claro, de ser encontrado em uma dúzia de sites de pensamentos e frases feitas, prontas para compartilhar com o mínimo esforço.
Sim, a internet é um perigo. Com as melhores intenções. E às vezes também com as piores.
segunda-feira, 28 de junho de 2021
O MEU NOVO AMIGO.
Quero apresentar-vos o meu mais novo amigo. O nome dele é Cláudio Amílcar Carneiro e tem noventa anos. Isso mesmo, 90. Onze livros escritos e publicados pela Chiado Books. O último deles, Contas da Minha Aldeia (em português do Brasil algo como Histórias da Minha Aldeia) publicado em 2020 em plena pandemia, com 595 páginas. É isso mesmo que você leu: 595 páginas, incluído o índice.
O meu novo amigo mora na Amadora, Lisboa, onde vive, escreve, lê e colabora em alguns jornais. Mas nasceu em Chacim, como eu. Conheci-o estava eu ainda no Brasil, num grupo de whatsapp que congrega filhos e amigos de Chacim, gente nascida e criada nessa linda aldeia de Trás-os-Montes, ao pé da Serra de Bornes, hoje imigrantes e expatriados espalhados pelo mundo mas que nunca deixam, sempre que podem, de voltar à terra. Porque de acordo com o meu novo amigo “o solo onde se nasce e cresce é um altar sagrado de constante e eterno chamamento!”
Quando me apresentei ao grupo “Olá, o meu nome é Cascão, sou filho do Adérito, ferrador, e da Carolina, nós morávamos na Feira..." ele imediatamente entrou na conversa: “Olha, eu conheci os teus pais. Vós tinheis um palheiro ao lado da minha casa, onde o teu pai guardava a palha e o feno. A tua mãe casou com o teu pai era já ele viúvo e tinha um filho do primeiro casamento, que foi pró Brasil. E tú tens uma irmã chamada Laura e de facto moráveis na Feira (o meu novo amigo é contra o novo acordo ortográfico), mas antes os teus pais moraram no Fundo da Vila..." E assim o meu amigo foi desfiando um rosário de fatos sobre a minha família e antepassados, que eu mesmo não conhecia em tanto detalhe.
A ciência precisava estudar a memória do meu amigo Cláudio, de 90 anos. Se lhe perguntarem sobre cada família, de uma ponta à outra da aldeia, ele dirá o nome dos avós, dos pais, o que faziam, se eram da terra ou de onde, quantos filhos tiveram, se dentro ou fora do casamento, se estão vivos ou não (aqui com alguma compreensível imprecisão), se imigraram, para onde foram e com que idade... Um fenômeno como eu nunca vi! O que o ajuda muito, imagino, na hora de escrever, porque o tema dos seus livros é um só, embora rico e variado. Cláudio escreve sobre o seu amor a Trás-os-Montes e ao Alto Douro, sobre as aldeias da região – que o seu conhecimento vai além de Chacim e inclui todas os sítios no entorno, nos quais tem muitos amigos e também os conhece e descreve em pormenores, bem como as histórias de suas gentes.
Quando cheguei a Lisboa e soube que ele morava aqui, dei um jeito de conhecê-lo pessoalmente. O que me disse, por e-mail, foi: "Ó Cascão, moro só, tenho noventa anos, já quase não saio. Terei todo o prazer em receber-te em minha casa. Não precisas marcar, vens, tocas, abro-te a porta, ofereço-te uns livros e segues o teu caminho". Ahhh, como se soubéssemos, ao cruzar o nosso caminho com o de alguém, se a pessoa vai simplesmente passar ou se vai ficar e se transformar em mais um grande amigo.
No dia combinado – não gosto de aparecer na casa de ninguém de surpresa – fui com a Rose e a Laura, minha irmã, até à casa do Cláudio. Encontramo-lo de pijama, mas muito bem disposto. E o que era uma visitinha rápida, transformou-se numa mais ou menos longa conversa, como se há muito nos conhecêssemos e fôssemos já grandes amigos. Falou-me de si, da sua vida em Chacim onde permaneceu até aos 24/25 anos a "repartir o tempo entre a guarda dos vitelos e outros trabalhos campestres" como assinala a sua mini biografia na orelha do livro e de onde saiu em 1955 para por-se a serviço do governo português em Goa na Índia, retornando a Chacim em 1957, ano em que nasci. Depois falou-nos da sua vinda para Lisboa a terminar os estudos e onde conheceu a sua amada mulher, falecida há quatro anos e que levou consigo um pedaço da alma do meu amigo. Ao final, aí sim, presenteou-me com alguns livros de sua autoria, o primeiro do quais "Vivências Inesquecíveis", uma autobiografia que devorei com toda a vontade porque fala a cem por cento da terra que nos viu nascer.
Na semana passada fizemos-lhe mais uma visita. Desta vez com o convite para que almoçasse conosco ali perto de sua casa, aonde pudesse ir sem muito esforço. Às 12, hora combinada, encontrei-o à nossa espera. Abriu a porta e eu, preocupado com suas eventuais limitações de mobilidade, ofereci-me para o ajudar a descer as escadas dos dois andares que levam ao rés de chão. Disse-me que não era preciso e começou a descer lépido e fagueiro atrás de mim. Ao ver que não se apoiava no corrimão, sugeri-lhe que o fizesse. "Não pego no corrimão", respondeu-me. Talvez para não se expor ao contato com o maldito vírus, pensei, embora já tenha levado as duas doses.
No restaurante tomou uma sopa que o garçom lhe trouxe sem a pedir. Depois escolheu o prato que veio acompanhado de um pequeno jarro de vinho tinto, que também não pediu. Percebi que, afora o prato, todas as suas demais preferências já eram de conhecimento do garçom, visto que é ali onde almoça todos os dias depois que a sua amada o deixou. Mas não pensem que o meu amigo vive só e abandonado, não. Além de muitos e bons amigos, tem uma filha em Lisboa e dois netos que, embora não vivam com ele, o mimam e paparicam.
Após a sobremesa, uma salada de frutas que também veio sem ser comandada, fomos até à sua casa onde me ofereceu e também se serviu de uma gostosa e autêntica bagaceira. "É digestivo" – afirmou. Mais um pouco de prosa e saí de lá com mais alguns exemplares do seu último livro, todos endereçados e autografados, com a missão de entregá-los um à professora das Escolas Antonio Maria da Costa, em Chacim, um ao padre Basileu Dos Anjos Pires destinado à biblioteca do Convento de Balsamão, outro para a biblioteca da Câmara de Macedo de Cavaleiros e mais uns a amigos a quem costuma presentear com as suas obras.
Eu e o meu novo amigo só lamentamos não ter-nos conhecido antes. Mas agradeço à vida por me permitir conviver com ele pelo tempo que ainda nos reste a ambos. Obrigado, meu novo velho amigo Cláudio Amílcar Carneiro. Minha vida enriqueceu-se com a tua amizade.
O meu novo amigo mora na Amadora, Lisboa, onde vive, escreve, lê e colabora em alguns jornais. Mas nasceu em Chacim, como eu. Conheci-o estava eu ainda no Brasil, num grupo de whatsapp que congrega filhos e amigos de Chacim, gente nascida e criada nessa linda aldeia de Trás-os-Montes, ao pé da Serra de Bornes, hoje imigrantes e expatriados espalhados pelo mundo mas que nunca deixam, sempre que podem, de voltar à terra. Porque de acordo com o meu novo amigo “o solo onde se nasce e cresce é um altar sagrado de constante e eterno chamamento!”
Quando me apresentei ao grupo “Olá, o meu nome é Cascão, sou filho do Adérito, ferrador, e da Carolina, nós morávamos na Feira..." ele imediatamente entrou na conversa: “Olha, eu conheci os teus pais. Vós tinheis um palheiro ao lado da minha casa, onde o teu pai guardava a palha e o feno. A tua mãe casou com o teu pai era já ele viúvo e tinha um filho do primeiro casamento, que foi pró Brasil. E tú tens uma irmã chamada Laura e de facto moráveis na Feira (o meu novo amigo é contra o novo acordo ortográfico), mas antes os teus pais moraram no Fundo da Vila..." E assim o meu amigo foi desfiando um rosário de fatos sobre a minha família e antepassados, que eu mesmo não conhecia em tanto detalhe.
A ciência precisava estudar a memória do meu amigo Cláudio, de 90 anos. Se lhe perguntarem sobre cada família, de uma ponta à outra da aldeia, ele dirá o nome dos avós, dos pais, o que faziam, se eram da terra ou de onde, quantos filhos tiveram, se dentro ou fora do casamento, se estão vivos ou não (aqui com alguma compreensível imprecisão), se imigraram, para onde foram e com que idade... Um fenômeno como eu nunca vi! O que o ajuda muito, imagino, na hora de escrever, porque o tema dos seus livros é um só, embora rico e variado. Cláudio escreve sobre o seu amor a Trás-os-Montes e ao Alto Douro, sobre as aldeias da região – que o seu conhecimento vai além de Chacim e inclui todas os sítios no entorno, nos quais tem muitos amigos e também os conhece e descreve em pormenores, bem como as histórias de suas gentes.
Quando cheguei a Lisboa e soube que ele morava aqui, dei um jeito de conhecê-lo pessoalmente. O que me disse, por e-mail, foi: "Ó Cascão, moro só, tenho noventa anos, já quase não saio. Terei todo o prazer em receber-te em minha casa. Não precisas marcar, vens, tocas, abro-te a porta, ofereço-te uns livros e segues o teu caminho". Ahhh, como se soubéssemos, ao cruzar o nosso caminho com o de alguém, se a pessoa vai simplesmente passar ou se vai ficar e se transformar em mais um grande amigo.
No dia combinado – não gosto de aparecer na casa de ninguém de surpresa – fui com a Rose e a Laura, minha irmã, até à casa do Cláudio. Encontramo-lo de pijama, mas muito bem disposto. E o que era uma visitinha rápida, transformou-se numa mais ou menos longa conversa, como se há muito nos conhecêssemos e fôssemos já grandes amigos. Falou-me de si, da sua vida em Chacim onde permaneceu até aos 24/25 anos a "repartir o tempo entre a guarda dos vitelos e outros trabalhos campestres" como assinala a sua mini biografia na orelha do livro e de onde saiu em 1955 para por-se a serviço do governo português em Goa na Índia, retornando a Chacim em 1957, ano em que nasci. Depois falou-nos da sua vinda para Lisboa a terminar os estudos e onde conheceu a sua amada mulher, falecida há quatro anos e que levou consigo um pedaço da alma do meu amigo. Ao final, aí sim, presenteou-me com alguns livros de sua autoria, o primeiro do quais "Vivências Inesquecíveis", uma autobiografia que devorei com toda a vontade porque fala a cem por cento da terra que nos viu nascer.
Na semana passada fizemos-lhe mais uma visita. Desta vez com o convite para que almoçasse conosco ali perto de sua casa, aonde pudesse ir sem muito esforço. Às 12, hora combinada, encontrei-o à nossa espera. Abriu a porta e eu, preocupado com suas eventuais limitações de mobilidade, ofereci-me para o ajudar a descer as escadas dos dois andares que levam ao rés de chão. Disse-me que não era preciso e começou a descer lépido e fagueiro atrás de mim. Ao ver que não se apoiava no corrimão, sugeri-lhe que o fizesse. "Não pego no corrimão", respondeu-me. Talvez para não se expor ao contato com o maldito vírus, pensei, embora já tenha levado as duas doses.
No restaurante tomou uma sopa que o garçom lhe trouxe sem a pedir. Depois escolheu o prato que veio acompanhado de um pequeno jarro de vinho tinto, que também não pediu. Percebi que, afora o prato, todas as suas demais preferências já eram de conhecimento do garçom, visto que é ali onde almoça todos os dias depois que a sua amada o deixou. Mas não pensem que o meu amigo vive só e abandonado, não. Além de muitos e bons amigos, tem uma filha em Lisboa e dois netos que, embora não vivam com ele, o mimam e paparicam.
Após a sobremesa, uma salada de frutas que também veio sem ser comandada, fomos até à sua casa onde me ofereceu e também se serviu de uma gostosa e autêntica bagaceira. "É digestivo" – afirmou. Mais um pouco de prosa e saí de lá com mais alguns exemplares do seu último livro, todos endereçados e autografados, com a missão de entregá-los um à professora das Escolas Antonio Maria da Costa, em Chacim, um ao padre Basileu Dos Anjos Pires destinado à biblioteca do Convento de Balsamão, outro para a biblioteca da Câmara de Macedo de Cavaleiros e mais uns a amigos a quem costuma presentear com as suas obras.
Eu e o meu novo amigo só lamentamos não ter-nos conhecido antes. Mas agradeço à vida por me permitir conviver com ele pelo tempo que ainda nos reste a ambos. Obrigado, meu novo velho amigo Cláudio Amílcar Carneiro. Minha vida enriqueceu-se com a tua amizade.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2021
Bicho é bicho e gente é gente. E os dois são tudo de bom.
Fui criado numa aldeia ao norte de Portugal, no meio de galinhas, pintinhos, patos, coelhos, cabritos, perús, porcos. Tive até um cavalo e um cão, fiel escudeiro que nos acompanhava nas disparadas pelos campos. Quando o cavalo se perdia da gente, seu amigo o encontrava. Costumava comunicar-me com eles por meio de olhares, gestos e assobios, a linguagem que me parece mais natural para falar com os animais.
No Brasil, tive dois cães: o Tonico, um poodle toy cujo comportamento era o de um autêntico vira-lata (cresceu solto como eu) e o Téo, um golden retriever lindo com um pelo dourado que reluzia ao sol. Os dois chegaram em casa ainda filhotinhos (não bebês, filhotinhos). Gostava tanto do Téo, o golden, que quando mudamos para apartamento em vez de confiná-lo na área de serviço, abri mão da sua companhia (não sem protestos) e o levei para um sitio em Campos de Jordão, sua terra natal, onde ele continuou correndo, brincando e crescendo livre como tem de ser. Tenho certeza que ele me agradeceu por isso. Durante um tempo ainda nos vimos, não com a frequência que os dois gostariam, e não esquecemos o que aprendemos um com o outro. Mais tarde soube que foi doado a uma família que tinha crianças e espaço para brincarem juntos.
No Brasil, tive dois cães: o Tonico, um poodle toy cujo comportamento era o de um autêntico vira-lata (cresceu solto como eu) e o Téo, um golden retriever lindo com um pelo dourado que reluzia ao sol. Os dois chegaram em casa ainda filhotinhos (não bebês, filhotinhos). Gostava tanto do Téo, o golden, que quando mudamos para apartamento em vez de confiná-lo na área de serviço, abri mão da sua companhia (não sem protestos) e o levei para um sitio em Campos de Jordão, sua terra natal, onde ele continuou correndo, brincando e crescendo livre como tem de ser. Tenho certeza que ele me agradeceu por isso. Durante um tempo ainda nos vimos, não com a frequência que os dois gostariam, e não esquecemos o que aprendemos um com o outro. Mais tarde soube que foi doado a uma família que tinha crianças e espaço para brincarem juntos.
Gosto de animais, portanto, e espero que isso tenha ficado claro. Penso que toda a criança deveria ao menos um, para entender coisas que às vezes nem os pais nem os amigos conseguem ensinar. Também são excelentes companhias, às vezes terapêuticas, para pessoas idosas ou solitárias. No entanto, não posso concordar com a forma como algumas pessoas tratam os seus animais de estimação. Incapazes muitas vezes de se relacionarem com parentes, amigos e às vezes até com os próprios maridos, esposas e filhos, usam-nos como bibelôs, enfeites, depositários de suas carências, dizendo que preferem a companhia dos animais à das pessoas.
O argumento usado (as piores justificativas são as verdadeiras) é que eles são fiéis, amam incondicionalmente, compartilham os momentos bons e ruins sem reclamar, são alegres e vive fazendo festas. Admito que a relação com seres humanos nem sempre é tão fácil e harmoniosa. É que gente não se contenta apenas com ração, passeios duas vezes por dia e banho uma vez por semana. Pessoas nos contestam, nos questionam, nos contrariam, exigem mais da nossa humanidade.
Não adianta pensar que a solução para as nossas mazelas, as nossas decepções afetivas e a nossa solidão, seja trocar o convívio das pessoas pelo dos animais. Não a ponto de carregá-los no colo, dormir junto na mesma cama, comemorar o aniversário com bolo e brigadeiro e comprar sapato e roupinha de boneca. Isso alimenta mais o nosso ego, a nossa vaidade e o caixa dos fabricantes de comida e quinquilharias que entopem as petshops, do que o nosso crescimento como seres humanos. Amemos os animais reconhecendo o que eles são e respeitando a sua natureza.
Certa vez uma das minhas filhas me contou que na casa da amiga eles sentavam a cachorrinha na mesa da sala para jantar junto com a família. E pior: só podia sair da mesa depois que ela comesse tudo ou ficasse muito cansada, o que costumava demorar, já que sendo tratada como criança se comportava como tal, fazia birra, queria aviãozinho, não comia qualquer coisa. E quando não era atendida levantava...ops! pulava da cadeira e ia fazer xixi no sofá e outras malcriações. Dei graças a deus quando a amizade delas terminou, claro, porque a cachorra era muito mais importante do que a minha filha.
Por essas e outras nunca me incomodei quando me chamavam de desalmado só porque não permitia que o Tonico, meu poodle viralata, deitasse no sofá ou tirasse um cochilo em cima da cama de casal. Adivinha quem ele mais respeitava e a quem mais fazia festa quando chegávamos em casa? Acertou. Bicho é bicho e gente é gente. E os dois são tudo de bom.
sábado, 13 de fevereiro de 2021
Roupeiro luso-brasileiro 🇵🇹🇧🇷
Esta noite acordei com um zum-zum-zum dentro do quarto. Como estava tudo escuro, não conseguia saber de quem eram nem de onde vinham as vozes. De modos que não me restou senão prestar atenção ao diálogo para tentar descobrir o que estava acontecendo.
- Ô de ganga... calça de ganga, tás acordada? Tou a falar contigo.
- Comigo?
- Sim, contigo mesma, ou há mais alguma coisa aqui no armário que se pareça com uma calça de ganga?
- Desculpa tuga, ainda não me acostumei com esse nome, eu sou um jeans brasileiro.
- Pergunto se não tás cansada...
- Can-sa-do! – interrompe, irritado – “o” jeans, é masculino, ok?
- Tá béim, não precisas fazer gênero! Não tás cansade de ficar pendurade aqui sem poder ir a nenhum lado? – continuou a t-shuga (era uma t-shirt tuga).
- Já me acostumei, no começo ele ainda me vestia para ir ao “super” como vcs dizem. Agora nem isso.
Os tênis, com os atacadores soltos, resolveram meter o bico.
– Lembro bem, brasuca. Iamos os três, lembra? Eu, você e a t-shuga. Saudades de atravessar uma passadeira. Sonho quase todas as noites com aquela foto dos Beatles atravessando a Abbey Road.
A camisa social, toda engomadinha, entra na conversa:
– Já viram há quanto tempo o gajo não veste uma camisa? Fica o dia todo de fato de treino, peúgas e pantufas, parece um reformado.
– Nem por isso – responde o agasalho verde e amarelo, sentindo-se citado –, no começo me usava mais, agora como não pode ir ao ginásio prefere um preto básico que anda por aí. Aliás, acho que são três, um pra ficar em casa, um pra caminhar e outro para ir à pastelaria ou ao mercado. Mas sempre acho que é um só, porque são idênticos. Tenho saudades das manifestações na Paulista, que no fim não serviram pra nada, é bom que se diga.
- Tás a reclamar do quê, ó brasuca? Queria que estivesses no meu lugar – disse o fato, único no armário com direito a cabide de madeira – Antes ainda íamos a um casamento ou a um velório qualquer, agora com isso da Covid morrem-se e nem ó enterro se pode ir.
A camisola amarela da CBF, espremida no fundo da gaveta logo abaixo, não se contém:
– Aí gente boa, vamo pará de falá de morte, que horrô! Tou aqui quietinha, mas tou ligada! Vamo falá de coisa boa, ano que vem tem copa do mundo! Huhúúú, vou ficar uns dois meses coladinha nele, sem saber o que é máquina de lavar hahahaha!
O fato de banho que também não vê a água há muito tempo, mete-se na conversa:
– Pois, agora que virou adepto do Benfica, acho que vai te trocar por uma camisola encarnada, aquela com o 7 do Cristiano Ronaldo às costas.
A cueca, toda rendada e delicadinha, resolve protestar do seu cantinho:
– Oiçam, podem ficar quietos, se faiz favor! Preciso descansar. Lembrem-se que eu fico a postos dia e noite, 24 sobre 24.
A ceroula não perde a chance:
– Ao menos ficas em boa companhia...queria eu!
Gargalhada geral, os cabides baloiçando de um lado para o outro e as portas do armário abrindo e fechando.
Acendo a luz do abajur para ir à casa de banho. Tudo em volta silencia, não se ouve um pio. De repente um espirro em baixo da cama.
– Coitadinha das havaianas, dormiram outra vez fora do saco. Pegaram uma friagem, de certo.
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