terça-feira, 3 de maio de 2016
Porquê a água do mar é salgada?
Hoje, 3 de maio, o Facebook me lembrou de algo que escrevi há dois anos atrás sobre a morte do meu pai. Achei melhor transcrever aqui no blog, pra eternizar essa lembrança em algum lugar além do meu cérebro.
Ontem à noite recostado na cama, depois de alguns exercícios e orações, coloquei meu fone de ouvido e adormeci ouvindo minha play list "keep calm". Devo ter ido tão longe e tão fundo que acordei às 4h30 como se tivesse dormido 12 horas. Sem sono, fiquei um pouco acordado e, não sei porquê, lembrei do meu pai. Se estivesse vivo, estaria com 106 anos (nasci temporão, ele já tinha 50). Sr. Adérito, a calma em pessoa. Só o conheci vivo. Recebi a notícia de sua morte pela voz de uma secretária, na cabine de comando de um navio, à 1h da manhã do dia 18 de junho de 1997, em algum lugar do mediterrâneo entre o norte da África e o sul da Itália. A notícia interrompeu uma noite de festa estilo anos 60 onde eu e a Rose, grávida da Olívia Costa, nossa primeira filha, fazíamos uma das coisas que nos dá um grande prazer: dançar. Não é preciso dizer que no dia seguinte, quando o navio atracou em Napoles, vaguei desesperadamente pela cidade, pendurado num fio de esperança de descobrir uma forma de voltar ao Brasil a tempo de me despedir dele. Em vão. O falecimento havia sido no dia anterior e o sepultamento marcado para o meio dia seguinte. Fiquei assim na cama por alguns momentos, depois levantei, continuei ouvindo minha música, fui até à cozinha, fiz um chocolate quentinho e me deu vontade de compartilhar com vocês, meus amigos que a esta hora dormem, a mensagem que enviei pelo fax do navio para que fosse lida pela Marina Costa no velório do avô:
"Meu pai, minha mãe, meus irmãos, Marina querida: Acho que a água do mar é salgada por causa das lágrimas derramadas por tantos portugueses afogados em saudades dos seus, e pela impotência contra a fatalidade, o inevitável.
Estou aqui no meio da imensidão azul, chorando por ter perdido o convívio de um pai a quem amava e admirava em seu silêncio e aceitação serena da vida.
E choro também por não poder estar aí com vocês.
Ontem à uma da manhã, depois de receber a notícia, subi ao convés, o mais próximo do céu que pude, e perguntei a Deus, à lua, às estrelas, porquê me afastaram dele neste momento? E pareceu-me ouvir a voz do pai dizendo: "vai, vai-te embora, não te preocupes..."
Depois uma grande ventania começou, arrastando para um lado e para o outro as cadeiras do convés, num balé ao mesmo tempo lindo e assustador.
Mas a natureza é assim, linda e assustadora, como a vida e a morte. Quando voltei para o quarto, cansado, depois de chorar e orar...adormeci. E sonhei.
Sonhei que estávamos sentados ao lado de vocês, ele com um sorriso lindo e um brilho especial no rosto.
Perguntei-lhe mais uma vez porquê fez isso, por quê numa hora em que eu estava tão longe. E ele apenas sorria, sorria como se tivesse acabado de me pregar uma peça. Mas o seu sorriso era de amor.
A seguir levantou-se, com uma vitalidade e uma rapidez que eu aprendi a conhecer tão bem em outros tempos, e desapareceu entre as pessoas presentes ao seu próprio velório, enquanto eu corria atrás dele gritando "pai! pai! pai!".
Foi-se, como que levitando, enquanto olhava para trás e sorria para mim...
Está amanhecendo e eu ainda não sei o que vou fazer. Não quero que prolonguem o sofrimento e a dor esperando por mim. Porque não tenho certeza se conseguirei chegar pra lhe dar um último beijo.
Por isso, quero abraçar minha mãe, dizer-lhe que onde meu pai estiver, estará agradecendo sua dedicação e sua paciência. E, certamente, protegendo-a com o manto de seu espírito.
Eu, a Rose e a neta que ele não esperou nascer, mas que já a está protegendo também desde agora, estamos tristes. Mas em paz. E juntamos nossos corações aos de vocês para que a Mãe Divina o receba em seus braços e o Pai Celeste guie sua alma para a eternidade.
Amamos vocês. Cascão e Rose, 18 de junho de 1997."
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