quarta-feira, 8 de outubro de 2014

CÉREBRO NÃO TEM TEMPLATE.

"Pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele." Henry Ford

A quantidade de informação disponível na internet, somada à profusão de sites que oferecem praticamente de tudo, e a preço de banana, tem levado alguns empresários e executivos a achar que é bobagem pagar uma consultoria ou agência para cuidar do marketing e da comunicação de seus negócios.

Aparentemente, tudo que precisam está na rede. E grátis! É só baixar e usar. Quando muito, pagar uma pequena taxa pelo download e pronto. Tem template de logo, template de cartão de visita, template de site, template de blog, template de plano de comunicação, template de power point e até template de business plan. Só precisa preencher os espaços em branco. E se não há tempo nem pra isso, basta pedir a um sobrinho ou ao filho de um amigo que “mexe com essas coisas” e o assunto está resolvido. Só que não.

O pensamento precede a linguagem. E a ação.

De que adianta ter os templates e os espaços em branco se você não sabe o quê colocar neles? E nesse sentido os computadores não vão ajudar muito. Porque computadores ainda não pensam por nós.

Isso significa que templates não servem para nada? Claro que não. Uma boa parte dos modelos disponíveis são bem pensados, às vezes têm um bom design e podem ajudar você a apagar um incêndio, a cumprir um prazo apertado ou a produzir um material bonitinho para aquele evento sem precisar fazer muito investimento. Eu mesmo recorro a eles algumas vezes.

Mas, entre um template que serve para tudo e para todos, e uma solução sob medida pensada para o seu negócio, há uma distância enorme. Afinal, o histórico da sua empresa é único. O ciclo de vida do seu produto é único. O momento que o segmento de mercado onde você atua é único, e a identidade que sua empresa precisa criar nem se fala. A solução para o seu problema, portanto, também deve ser única.

Às vezes um olhar de fora muda tudo.

Outro aspecto a ser considerado na decisão pela contratação de um prestador de serviço, é o fato de que quem está muito envolvido no problema raramente conta com a perspectiva necessária para enxergar a melhor solução.

Vou contar uma historinha rápida. Certa vez tive um cliente que importou uma linha de interruptores e tomadas elétricas da matriz, na Itália, para venda no Brasil. Produto classe AA, de altíssimo valor agregado, com muita tecnologia, design avançado, tinta automotiva e cores exclusivas. O preço, premium, óbvio. Porque não se tratava de um simples interruptor ou tomada. Era um item de tecnologia doméstica e elemento de decoração do ambiente. Enfim. Já havia sido feita uma campanha, produzidos materiais gráficos de excelente nível e nada da linha decolar. O PDV também não conseguia entender nem explicar a razão do fracasso de um produto tão sensacional. Às vezes o consumidor, o decorador ou o arquiteto responsável pela obra compravam uma ou duas peças, mas não ampliavam nem repetiam a compra.

Durante uma reunião em que se buscava desesperadamente uma explicação para o fenômeno, pedi pra ir ao banheiro. No caminho, passando por salas e corredores percebi que todos os interruptores e tomadas da linha instalados ali estavam com o nome e a marca do fabricante (impressos num dos lados chanfradinho do produto) na vertical, dificultando a leitura. Alguns até invertidos, de cabeça pra baixo. De volta à reunião perguntei porquê. Ao responder minha pergunta, o cliente deu a resposta para o problema: “porque as caixas elétricas no Brasil são instaladas todas na vertical, e na Itália na horizontal. Mas o produto pode ser instalado em qualquer posição, porque encaixa e funciona do mesmo jeito.” Continuei: “Mas isso já foi dito ou mostrado na comunicação em algum momento?” Silêncio na sala. “Não, acho que não…” respondeu o diretor de marketing. Ah, ok. Então que tal a gente fazer isso? Seguramente as pessoas estão comprando o produto e ao chegar em casa e ver que a posição "normal" da peça – horizontal, não serve para a caixa que ele tem na parede - vertical. 

A campanha e os materiais gráficos produzidos a seguir mostravam os produtos na posição horizontal, mas também na vertical, deixando claro que apesar de nossas caixas elétricas serem diferentes das da Itália, o produto funcionava e podia ser usado em qualquer posição, sem problema. O catálogo seguinte mostrava isso e ainda trazia alguns produtos em tamanho natural, com picote, para serem destacados e colocados em cima dos interruptores atuais, permitindo ao consumidor sentir o efeito na decoração.

Evidente que não houve por parte do cliente a devida atenção quando resolveu simplesmente importar os produtos prontos, sem nenhuma adequação prévia para o nosso mercado. Acho que o produto parou de ser importado ou foi finalmente adaptado e relançado. Mas com um pensamento fora da caixa (literalmente neste caso) e uma mudança na comunicação as vendas reagiram e sairam do vermelho.

Neste e em muitos outros casos que, tenho certeza, cada um dos leitores poderia relatar neste espaço, não há template que resolva o problema. O que resolve é a observação acurada, o pensamento estratégico e uma solução sob medida. E para isso não há template.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Um caso de amor com o Brooklin

Escrevi este texto para a série "Conte sua história de São Paulo", uma coletânea de crônicas levadas ao ar pela rádio CBN São Paulo, num programa comandado por Milton Jung. Resgatei algumas memórias e a repercussão, principalmente junto a amigos da época e antigos moradores, me surpreendeu e emocionou. Além a versão em texto, há um audio [audio http://colunas.cbn.globoradio.globo.com/platb/files/615/2009/10/mjung_contesuahistoriia_sp_anos-70_031009.wma] - editado - que foi ao ar dia 05/10/09, uma segunda feira. Espero que vcs curtam.
"Faz um mês que estou trabalhando no sétimo andar de um prédio na Rua Arandú, no Brooklin, paralela à Berrini. Daqui até aonde a vista alcança (o que dependendo da direção que eu olhe, não dá mais do que um quarteirão) posso ver uma parte do bairro ainda não tomada pelos prédios. Fosse este onde estou, o único, e estivéssemos nós em 68, quando vim morar no Brooklin, minha vista alcançaria alguns quilômetros em todas as direções, já que não havia um único edifício no quadrilátero compreendido entre a Marginal de Pinheiros, a avenida Santo Amaro, a avenida Vicente Rao e avenida dos Bandeirantes, território onde vivo desde os 11 aos atuais 52.
Antes do Brooklin, meu universo era bem mais reduzido: Chacim, uma pequena aldeia ao norte do Portugal, cuja população total não era muito maior do que o número de pessoas que hoje trabalha num edifício qualquer da região. Saí dessa aldeia com meus pais em 1968, para nos juntarmos aos meus irmãos que cá estavam. Depois de 14 dias a bordo do navio Theodor Erzl de bandeira israelense, que saiu de Lisboa às 7 horas de uma manhã fria e nevoenta de dezembro, e viajando numa classe que não me recordo ter alguma das letras do alfabeto, desembarcamos finalmente no Porto de Santos.
Confesso que aquele Brasil de 68, e tudo que estava acontecendo nele, eu só conheci mais tarde, já no colegial. E depois, mais profundamente, durante os tempos de repressão na faculdade de comunicação em meados dos anos 70. Mas ali, garoto, imigrante recém-desembarcado, com a terra prometida em baixo dos meus pés, o que eu via com os olhos esbugalhados, o queixo caído e a boca aberta era a esperança, o futuro promissor, o maravilhoso mundo novo chamado Brasil!
Subimos a serra na kombi de um de meus irmãos – que eu não conhecia, porque quando ele veio para o Brasil eu ainda nem tinha nascido – e fomos direto para uma pequena casa alugada para receber e re-unir a família. Ficava na Rua 6, atual Rua Taperoá, na Cidade Monções – que para quem não sabe, é o verdadeiro nome deste…digamos “baixo Brooklin”, reduto de portugueses que investiram suas economias em lotes na região e depois, no boom imobiliário, os venderam para a Bratke & Collet, empresa que está para a região da Berrini como a Gomes de Almeida Fernandes esteve um dia para a região da Paulista.
Exatamente em cima do que foi um dia nossa pequena casa está hoje um dos robocops que enfeitam – ou enfeiam, na opinião de alguns – esta região. Uma das lembranças mais marcantes desse período pré-adolescente foi a chegada ao bairro, mais exatamente à pracinha que ficava em frente à minha casa, do Circo Sbano. A família Sbano – eu soube recentemente quando minhas filhas começaram a tomar aulas de circo, foi por muitos anos um dos baluartes da arte circense no Brasil – era composta por pai, mãe, duas filhas lindas, bailarinas e trapezistas, dois rapazes e mais uma meia dúzia de agregados, entre engulidores de fogo, malabaristas e palhaços. Além dos elefantes, tigres, macaquinhos e cachorros amestrados. O Sbano chegou, armou a lona, abriu a bilheteria e anunciou sua estréia retumbante para uma curta temporada de três meses. Ficou dois anos! Tempo suficiente para eu me tornar amigo íntimo da família e aprender com o Rico, como era chamado o caçula dos Sbano, a atirar facas, dar cambalhotas no ar, subir no trapézio e a cortar folha de papel e apagar ponta de cigarro com o chicote.
A coisa foi ficando tão séria, que o circo quase traçou meu destino: a uma certa altura, apaixonado por uma sobrinha dos Sbano, jurei que iria embora com a trupe. O problema é que eles pareciam não ter pressa alguma em sair dali. Em volta dos traillers começou a crescer mato, os pneus foram afundando no terreno e a impressão que eu tinha é que nunca mais iriam embora. Foi ali, no Circo Sbano que vi pela primeira vez a apresentação de um grupo de trapalhões bem humorados, que estava começando a vida artística. Seus nomes: Didi, Dedé e Mussum (acho que o Zacarias veio depois). Um dia, no final da apresentação, o Simca Chambord deles não quis pegar e o jeito foi eu e uns amigos ajudarmos a empurrar, embaixo de chuva.
Dos 11 aos 23 anos o Brooklin foi meu quintal, minha praia, o lugar dos meus primeiros amigos, meus primeiros amores escondidos, palco do meu primeiro beijo, das primeiras descobertas, do meu primeiro emprego e até do meu primeiro casamento, do qual nasceu Marina, minha primeira filha. Um lugar onde a maioria das ruas era de terra batida. A Marginal de Pinheiros não existia, a Bandeirantes não existia, a Berrini não existia, e muito menos a água espraiada ou a Vicente Rao. No lugar de todas elas, córregos: da Traição, Espraiado, Cordeiro, Uberabinha.
Lembro-me das pequenas pontes sobre a Berrini, por exemplo, que em dias de enchente submergiam e desapareciam, não permitindo que atravessássemos para o outro lado. Pequenas pontes como essas, ou melhor pinguelas, também ligavam o Brooklin à Vila Olimpia, que começava do lado de lá da Avenida dos Bandeirantes. Lembro-me dos banhos nas lagoas da região, sobretudo numa, maior, que ficava exatamente onde é hoje o Shopping Morumbi. Como nossas mães sempre davam bronca quando a gente insistia em tomar banho na lagoa, muitas vezes a gente nadava de cueca mesmo, como se isso ajudasse em alguma coisa, já que ao chegar em casa as cuecas brancas estavam marrom.
Comecei a trabalhar cedo. Não, não é força de expressão. Cedo mesmo, em todos os sentidos. Com 12 anos eu levantava às 4 da manhã, vestia a roupa que tinha deixado embaixo dos cobertores na noite anterior para ficar quentinha, e ia para o meu primeiro emprego: entregador de pão. Depois de carregar o furgãozinho Opel do dono da freguesia numa das padarias da região – não sem antes tomar um café com leite com um pãozinho tão quente, mas tão quente que a casquinha estalava e a manteiga deslizava sobre ele sem precisar usar faca para espalhar – lá íamos nós com aquele furgão velho pelas ruas do Brooklin Novo. E do Campo Belo também, entregando quatro pãezinhos aqui, seis pãezinhos ali, três pãezinhos e dois litros de leite acolá, uma bengala… em algumas casas, de família grande, três bengalas e dois litros de leite!
O patrão na direção e eu atrás, embrulhando os pães. Quando se aproximava a casa da freguesa ele diminuia a velocidade, eu saltava do furgão em movimento, pulava o portão, deixava o pão na soleira da porta, voltava a pular o portão, corria mais um pouco e pimba! Pra dentro do furgãozinho que seguia em frente sem parar. E assim ia a madrugada toda. Por volta das sete horas eu já estava em casa. Tomava café de novo e dormia até às onze, onze e meia. Acordava, tomava banho, almoçava e rua: brincar, empinar pipa, jogar futebol, bolinha de gude… porque às quatro da tarde ia pra escola. Ou melhor, pro Maloquinha, que era o apelido da Escola Estadual Diva Maria B. Toledo, na esquina da Padre Antonio José dos Santos com a Guaraiuva.
O período em que eu estudava era chamado “noturninho” e ia das 16 às 19h30, quando começava então o noturno. Confesso que nunca soube de outra escola em São Paulo que tivesse um horário como esse! Só mesmo o Maloquinha… Depois o colégio ganhou um nome mais pomposo: “Colégio Estadual Mademoiselle Perrilier”. Até hoje não sei quem foi essa senhora. O que eu sei, é que a despeito de todos os esforços, o colégio continuava conhecido mesmo era por “maloquinha”. Ahhh…mas o maloquinha ainda viria a ter seus dias de glória: hoje, no mesmo prédio, reformado, funciona a Universidade Livre de Música Tom Jobim, a uma quadra do Clube Açaí, outro patrimônio do bairro.
O Padre Antonio José dos Santos que dá nome à principal rua do bairro – até hoje chamada por muitos de Avenida Central – para quem não sabe foi o primeiro pároco da Igreja São João de Brito, ali pertinho na Rua Nebraska, onde acontece há pelo menos uns 30 anos uma das mais animadas festas juninas do bairro, onde se come também o melhor bolinho de bacalhau de São Paulo. E quem já experimentou não me deixa mentir. Bem, a gente estudava no maloquinha mas gostava mesmo era de namorar as meninas do Beatíssima e do Oswaldo Aranha e do Enio Voss, também colégios públicos, mas com uma reputação que o nosso querido maloquinha definitivamente não tinha.
Adolescência, anos 70, Jovem Guarda, Mutantes, Jackson Five, calça boca de sino, camisa cacharrel mandada fazer, matinés no Açai, no Pinheiros, no Círculo Militar, e muitos, mas muitos bailes na garagem dos sobradinhos onde moravam as garotas, nas ruas Pensilvânia, Arandu, Michigan, Flórida, Hollywood, Arizona…e do outro lado da Central também: na Indiana, Guararapes, Quintana, Texas, Kansas e Brejo Alegre.
Um belo dia, já com 14 anos e de carteira assinada, como office boy do Livro Vermelho, publicação da Editora Páginas Amarelas, cujo escritório ficava na Avenida Santo Amaro entre a Guararapes e a Indiana, comprei meu primeiro paletó, cor mostarda, em dez prestações. Adivinha aonde? Nas lojas Pitter, claro! atrás do Teatro Municipal.
Não me esqueço da estréia do paletó mostarda: subia a Guararapes para um bailinho na casa de uma amiga, com o dito cujo sobre uma cacharrel vinho e uma calça branca impecável. Havia chovido naquela tarde quente, ruas enlameadas, eu no maior cuidado desviando de todas as poças d’água quando de repente, não sei se de propósito, um DKV passa num charco e me deixa parecendo um pinto molhado… molhado e marrom: paletó marron, camisa marrom, calça marrom.
Para a nossa turma, que organizava e promovia os bailinhos nas garagens cobertas com lona, a glória foi quando a Construtora Guarantã fez o primeiro conjunto de edifícios residenciais do bairro, na atual Praça Sansão Alves dos Santos. Morar ali era “chic” e, claro, todos queríamos ter um amigo nos prédios da Guarantã, porque aí dava pra fazer os bailinhos no salão de festas do prédio. Era o máximo: luz negra, globo estroboscópico, os bolachões na vitrola Garrard, todo mundo dançando agarradinho!
Aos poucos outros prédios foram surgindo, os córregos canalizados, as ruas asfaltadas, a especulação imobiliária tomando conta, e os amigos casando, mudando, cada um tomando o rumo de sua vida, como tem de ser. Eu, que sempre fui um apaixonado pelo Brooklin, o máximo que consegui me afastar foi até à Chácara Santo Antonio, quando casei, e depois Campo Belo e Itaim, retornando definitivamente para uma das esquinas do bairro, onde moro até hoje. E agora onde trabalho também, no sétimo andar de um prédio na Rua Arandú. Daqui até onde a vista alcança…"

domingo, 1 de junho de 2014

OS LOBOS E AS UVAS.

Adoro lobos. Elegantes, imponentes, misteriosos. Fizeram parte da minha infância e povoaram minha imaginação de criança. Tínhamos uma pequena vinha em Chacim, aldeia onde nasci ao norte de Portugal, onde cultivávamos uvas para fazer o vinho que abastecia a adega de uma taberna que minha família mantinha nos baixos da nossa casa assobradada. Um pouco antes da vindima (colheita das uvas para se fazer o vinho) os lobos – que pra quem não sabe adoram uvas, como as raposas – invadiam a vinha e acabavam com a produção.

Para evitar o estrago, tão logo as uvas começavam a amadurecer, armávamos uma barraca no meio da vinha e passávamos noites e noites lá, devidamente equipados com algumas espingardas. Quando ouvíamos um lobo se aproximando, disparávamos dois ou três tiros para o ar, o suficiente para espantá-los por algumas horas. Nos revezávamos eu, meu irmão e meu pai. Sempre em dupla. Enquanto um dormia, o outro ficava de tocaia. Geralmente, depois dos tiros, a gente trocava de posição, até à próxima investida dos lobos. De manhãzinha retornávamos para casa. Não sem antes colher um cacho pra ir comendo pelo caminho. Tive uma infância maravilhosa, quase inacreditável...