segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Meditar andando

Antes de me levantar da mesa olho para o superguardanapo de folha tripla 40x40 cm e, depois de constatar que eu mal o usei, dobro-o e guardo no bolso. Penso: antes de ir para o lixo ainda dá pra limpar as lentes do óculos, tirar o pó da mesa ou assoar o nariz. O garçom e os dois amigos que dividem a mesa comigo ficam olhando, mas abstêm-se de comentários.

Enquanto transponho as seis quadras até o escritório vou meditando sobre o trabalho que dá ser ecologicamente correto. E como a cultura do desperdício continua sendo cultivada, muitas vezes inconscientemente, neste lado do planeta. Automatismos, hábitos arraigados dos quais sequer nos damos conta.

Por outro lado, penso se o que acabo de fazer não seria uma daquelas coisas “de pobre”, como usar o vidro de requeijão como copo, cortar o fundo da garrafa pet para colocar plantinha, esquentar a caneta bic com o bafo para ela voltar a escrever, usar sacola plástica para botar o lixo, espremer o tubo de pasta de dente até o finzinho.

Sim, porque essas coisas só sendo pobre ou sobrevivente de guerra, certo?

Errado! Não se trata mais de saber se é coisa de pobre, rico ou remediado. Se fomos bem ou mal educados. Se queremos ou não ser politicamente corretos ou ambientalmente responsáveis. Trata-se de escolher se queremos continuar sendo inquilinos neste planeta nas próximas décadas, ou se não estamos nem aí e dane-se se formos despejados. Sim, porque com a nossa pequena cabecinha e a nossa grande pretensão acreditamos que ao mudar pequenos hábitos estamos contribuindo para "salvar o planeta".

Meu amigo, o planeta não está nem aí com o que você acredita ou deixa de acreditar. Está se lixando se você vai ou não mudar sua maneira de viver, ou de morrer. Quando ele se cansar das bobagens que estamos fazendo, dará uma pequena sacudida e em poucos segundos desapareço eu, você e o continente. Desaparece a nossa civilização e junto com ela nossa arrogância. E ele, planeta, continuará sua trajetória.

Então, vamos parar de achar que somos o umbigo do mundo e acordar: quem corre o risco de ser extintos somos nós, não é o planeta.

Abre parêntesis. Outro dia fiz um teste no site da WWF pra saber o tamanho da minha pegada ecológica. Em outras palavras, que rastro estou deixando na minha passagem pelo planeta. Recomendo: http://www.pegadaecologica.org.br. Você responde umas perguntas sobre seu estilo de vida e hábitos de consumo, o site avalia o impacto da sua pegada sobre o meio ambiente e te diz quantos planetas Terra seriam necessários se todo mundo resolvesse viver como você.

Não me considero nem um pouco consumista, procuro separar o lixo reciclável do outro e dar-lhes a destinação correta, tenho uma razoável consciência sobre o meu compromisso com a sustentabilidade e o futuro das próximas gerações. Ainda assim, no meu caso, seriam necessários 3 planetas para agüentar o tranco. Tem idéia? Fecha parêntesis.

Voltando para a minha meditação, diminuo um pouco o passo e lembro de uma revista TRIP de uns dois anos atrás cuja matéria de capa tinha um sugestivo titulo: Sua felicidade está acabando com o planeta. Medito mais um quarteirão sobre isso. E continuo andando.

Antes de atravessar a esquina viro minha cabeça para o leito carroçável e vejo passar, um atrás do outro, três possantes veículos off road. Cada um mais possante do que o outro. Todos 4x4. Todos tinindo. Todos com vidro fumê. Todos com uma pessoa só dentro. Todos pretos (já reparou que não existem mais automóveis coloridos? Henry Ford deve estar radiante).

Penso, sem medo de errar: jamais algum deles saiu do asfalto. Afinal, você acha mesmo que alguém vai comprar um automóvel que custa um apartamento para enfiá-lo no meio do mato onde ninguém vê? Para sair de lá todo sujo de terra? Nem pensar. A propósito, lembro de uma entrevista de Paulo Mendes da Rocha – arquiteto e sábio, à revista Carta Capital, que atesta bem a irracionalidade deste nosso modelo: "É como se tivéssemos inventado uma máquina de produzir veneno e, todo dia, nos empenhássemos em aprimorá-la. A questão dos transportes é fundamental. Não se trata, puramente, de introduzir conforto. Trata-se de ver que, queimar petróleo para transportar uma pessoa de 60 quilos numa lataria de 700 quilos, que não anda, é um erro grave. É repugnante ver a cidade congestionada de carros que não andam. A questão não é fazê-los andar, é ver que isso não tem saída, o transporte individual é uma bobagem."

Finalmente, chego ao escritório um pouco cansado e com sede. Vou até o bebedouro e depois de sorver calmamente dois copos de água geladinha (até quando?) outra grande dúvida me assalta: o que faço com mais um copo de plástico, novinho, antes de descartá-lo?

É... não tá fácil diminuir a pegada. Acho que vou dar mais umas duas voltas no quarteirão.

2 comentários:

Unknown disse...

O mais importante deste processo é a tomada de consciência. Assim já estamos trabalhando para diminuir a pegada. Penso que todo trabalho, por menor que seja, é importante para nos ajudar a diminuir as pegadas.

Anônimo disse...

Fala Cascão!

Fazia um certo tempo que não passava por aqui...

E ainda bem que lembrei de voltar. E o mais legal de tudo é que li o texto imaginando você voltando a pé de um almoço na padaria andando pelas ruas da Vila Madalena...rs...já meditei bastante durante quase 4 meses por essas ruas.

Bons tempos,
Abraço e saudades,
Nena.