Tempos atrás pensei em fazer uma experiência: em vez de
mudar de carro, mudar de atitude e tentar viver sem ele. Somei todos prós e
contras, as multas, as despesas com documentação e uma revisão completa,
incluindo alguns itens estéticos para o comprador não ficar pondo defeito na
hora de negociar o preço. Quando vi o tamanho da conta, se eu ainda tinha
alguma dúvida em me livrar do carro, ela terminou aí. Felizmente o que recebi
deu para pagar tudo e ainda sobrou um troco, não mais do que o suficiente para
um jantar a dois. De comemoração.
Quando eu fiz dezoito anos – e com todos os amigos da aminha
idade não foi diferente – o grande sonho de consumo era comprar um carro. Ou
ganhar um, para os filhos de pais mais abastados, o que não era meu caso. Hoje
o carro ocupa o 7º ou 8º lugar na lista de desejos de uma boa parte dos jovens.
Muitos sequer tiram a carta de motorista, para desespero das montadoras.
Ao trocar de atitude troquei a preocupação com as multas, o
ipva, o seguro, as revisões, o preço da gasolina, o estresse de achar uma vaga
para estacionar e a revolta com o preço extorsivo dos estacionamentos, por um
bilhete único. E pela tranquilidade de conferir e-mails, responder o wattsapp e
usar o google sem o risco de causar um acidente. Confesso que atualmente ao ver
um congestionamento, chego a sentir um certo calafrio e uma angústia misturada
com compaixão pelo sofrimento alheio.
Claro que andar de ônibus e metrô numa cidade que está longe
de ter um sistema de transporte púbico 100% eficiente, e muito menos
suficiente, também tem seus perrengues: alguns motoristas dirigindo de maneira
irresponsável, cobradores mal humorados e cuja função cada dia se justifica
menos, passageiros que ainda não atingiram um nível mínimo de civilidade e por
aí vai. Por outro lado, uma sensação incrível e coisa impensável no passado, é
saber a hora exata em que o próximo ônibus vai passar, enquanto você come a
última torrada com geleia no café. Isso graças a uma das sete maravilhas da
tecnologia, chamada Moovit (o Waze de quem anda a pé, de ônibus ou bicicleta). Que
ainda te avisa, online, quantos pontos você tem pela frente, quanto tempo vai
gastar no trajeto, a hora exata de descer e por quantos minutos terá de caminhar
até seu destino final. Sem falar que durante três horas você pega quantos
coletivos precisar pagando apenas o valor (alto, diga-se) de uma passagem. Meu
recorde até agora foram um metrô e três ônibus em menos de duas horas, numa
viagem até o bairro dos Pimentas em Guarulhos. O terceiro ônibus eu peguei em
plena via Dutra...aventura e tanto.
Claro que vendo a minha condição de um “sem carro” toda hora
os amigos perguntam: mas você nunca mais precisou de um carro depois que se
desfez do seu? Claro que precisei. E felizmente tem um monte deles à minha
disposição sempre que necessário: os das locadoras (frequentemente mais baratos
do que as passagens de ônibus interestaduais, principalmente quando se viaja em
família), os da Uber, 99 ou Cabify e até os dos amigos quando gentilmente me oferecem
uma carona. Preciso confessar também que em trajetos mais curtos e tranquilos,
em dias sem chuva, também conto com minha fiel companheira, uma Suzuki Burgman.
Sei que ficar sem carro não é viável para algumas pessoas, por
diferentes razões. Mas, para uma grande parte de nós, garanto que existe vida
depois do automóvel. E que pode ser, além de tudo, uma experiência libertadora.